PERCEPÇÕES SOB O SOL DA TARDE
Saio para a rua. É meio de tarde. Recuso o abrigo da sala.
Vou para a calçada ficar comigo. Gente demais em torno da TV me faz
sentir sozinho.
Lembro de algum poeta baiano, ponderando em seu ocaso: o tempo, diria, é
a obra do acaso. E, partia, esse mesmo, cínico, para o breu da noite.
O sonho, agora eu pensava, é a contramedida do marasmo. Consolava o meu
penar nessa tarde quente, que desolava meu ser.
Era nesses dias escaldantes, que sentava na ponta dessa calçada. Na verdade,
vinha cá para fora, já à tardinha. Orava por Nossa Senhora. Olhava o sol indo
embora. Marejava os olhos de candura. Sentia o tremor do inaugurar da noite. E
pronto. Não mais suportava.
Mas agora. Inovava. Arrostava a tarde, em sua plenitude de luzes. Temia
pelo choque da realidade. Insistia, embora.
Olhava perto e longe, sob o sol que fazia vista arder. Via o que não
queria ver. Via o dia nessa rua...
Nesse chão, periferia. Via casas pequenas, envergonhadas, com o reboco
saindo das paredes. Multicoloridas, cinzentas. É tarde de domingo, constatava.
Ninguém espia para fora das janelas com os vidros semicerrados.
E matutava: que relevância existe para essa rua? Perdida no canto da
cidade. Um par de postes maltrapilhos. Mais nada, que chão de pedregulho.
Poucos carros velhos. Alguns encostados nas guias.
Podia, a rua, ser apagada do mapa. Só nós mesmos sentiríamos falta de
nossas casas e arredores dos quintais e calçamentos. Mais nenhuma viva alma
daria falta desse puxado de seres e seus haveres.
Angustiava a falta de nomes na humanidade ampliada. Quem seria por nós,
se somos pelo todo.
Seria melhor que tudo fosse mato. A dignidade do verde povoando tudo. O
pau das árvores frondosas das matas daqueles dias. Enche o espaço mais
propriamente, que o asfalto fumegante, o concreto decaído e o barro rachado.
Faço o contraponto, da frente de minha casa – mais uma malsinada – com as
árvores habitantes desse palmo de chão. Tão mais presente é o calor que reflete
no asfalto esburacado e no cimento gasto. Faz a testa suar. Os cabelos cheiram
a suor. A camisa, pano roto, fica molhada. Isso sem caminhar. Parado, sentado
em um pedaço da calçada. Sozinho. Só exercitando o pensamento. Minha alma está
em chamas.
Agora, tomo água da ponta do esguicho. Não é possível imaginar matas
frondosas do inferno. Alivio. Volto a ter pensamentos verdes, de um azul úmido,
por cima disso tudo.
Seria bom, agora, ser bicho. Entrar embaixo de uma dessas árvores.
Ignorante de minha existência. Somente cônscio desse momento. Esvaído de
espírito crítico. Nada que pensar. Só o sentir em minha alma. Nu,
refrescando-se na sombra de uma dessas gameleiras imaginárias..
Presente para os meus. Nada mais de mais
Queimo o pé. Volto a ser homem, de um segundo. Que coisa pujante a vida
humana. Tão cara e dolorida, a consciência de se estar vivo, em uma condição de
morte.
Que se pode esperar de uma rua
como essa? Nem a vista agrada. Que poderia vicejar, nesse dia quente de domingo,
em que a vida se esvai, pouco a pouco, no suor do rosto e o céu, em seu azul
tórrido que traz a certeza da insolação.
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