A LIBERDADE DE PENSAMENTO:Razões Para Sua Defesa
O
problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é o de
justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico,
mas político " Norberto
Bobbio
O direito de falar e de calar, quando se pensa em
liberdade de expressão (art. 5º, IV da Constituição Federal) não deve ser dado
a ninguém, muito menos ao Estado.
A par disso tudo, a restrição ao direito de se
expressar livremente representa um exercício de violência, por parte de quem
promove a censura, seja o Estado ou o próximo, na medida em que viola a
abrangência totalizante da dignidade da pessoa humana, visto que a liberdade
propugna pela auto-realização da pessoa humana (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008,
p. 359).
Se de um lado existe o Poder Público, com todos os
instrumentos institucionais aptos a conter a expressão do livre pensamento; e
de outra ponta, a abstração constitucionalmente consagrada no texto
constitucional, é necessário a prática democrática constante e efetiva, por
todos os canais historicamente e tecnologicamente construídos, de modo a
concretizar essa abstração praticamente inacessível a uma definição instantânea
em um momento de necessidade inusitado.
O projeto democrático inacabado, fundado em um
liberalismo de superfície, que resultou no lamentável mal entendido de nossa
democracia, que nos fala Sérgio Buarque de Holanda (1995, passim), é o cerne em que se insere tal discussão, apesar de
desbordar, e muito, dos limites desse artigo.
Assim, a Constituição Federal é, em última análise,
uma lei. A mais importante delas. Ao menos é possível tê-la em mente como tal. A par dessas considerações, quer
se apontar que com a implantação do Estado Constitucional Democrático de
Direito, todas as normas constitucionais passaram a ser dotadas de supremacia
jurídica, providas, que são, de eficácia jurídica; notadamente, as normas
definidoras de direito, dotadas de aplicação imediata, como se pode depreender
do artigo 5º, § 1º da Constituição Federal[2].
Dessa forma, a Constituição Federal, ao dedilhar-se suas
páginas ou examinar-lhe os artigos[3],
vê-se um conjunto de temas que foram lá inseridos de modo a se poder concluir,
sem sombra de dúvida tratar-se, a liberdade de expressão, de um direito
fundamental.
Portanto, ao se considerar a Constituição Federal
como lei, a mesma como espécie do gênero norma jurídica é dotada de
imperatividade. E, tal constatação faz concluir que o comando que emana da
Constituição Federal corresponde a uma prescrição e que o seu descumprimento,
por consequência, implica no acionamento de um mecanismo de coação.
Tal acepção é apresentada por Luís Roberto Barroso (p.
76, 2006) nos seguintes termos:
As normas constitucionais, como espécies
do gênero normas jurídicas, conservam os atributos essenciais destas, dentre os
quais a imperatividade. De regra, como qualquer outra norma, elas contêm um
mandamento, uma prescrição, uma ordem, com força jurídica e não apenas moral.
Logo, a sua inobservância há de deflagrar um mecanismo próprio de coação, de
cumprimento forçado, apto a garantir-lhe a imperatividade, inclusive pelo
estabelecimento das conseqüências de insubmissão ao seu comando.
De
outra parte, o Estado
representa, na acepção de mundo contemporâneo vivenciada pela humanidade, a
organização fundamental em que o homem se situa, possibilitando sua inserção
social.
A origem do Estado está adstrita à natureza social do
homem. Desse
modo, a partir do elemento associativo do gênero humano, o mesmo se agrupa em
várias organizações sociais. Por sua vez, essas organizações
sociais se originam a partir das afinidades entre os vários grupos humanos,
exemplificativamente, nas áreas cultural, econômica, religiosa, esportiva e
política.
E,
justamente, a partir desses núcleos populacionais, tem-se o surgimento da figura do Estado,
representando como a mais importante organização social.
Tal importância é
evidenciada por Darcy Azambuja (AZAMBUJA, 2011, p. 20), o qual pondera que:
Com
exceção da família, a que, pelo nascimento, o homem forçosamente pertence, mas
de cuja tutela se liberta com a sua maioridade, em todas as outras sociedades
ele ingressa voluntariamente e delas se retira quando quer, sem que ninguém possa
obrigá-lo a permanecer. Da tutela do Estado o homem não se emancipa jamais. O
Estado o envolve na teia de laços inflexíveis, que começam antes de seu
nascimento, com a proteção dos direitos do nascituro, e se prolongam até depois
da morte, na execução de suas últimas vontades. No mundo moderno, o Estado é a
mais formidável das organizações.
Desse modo, a
conformação do Estado que temos vivenciado em nossa era, projeto evolutivo do
chamado Estado Moderno; trata-se de um tipo de sociedade política que teve
origem nos séculos XVI e XVII. Sua gênese ocorre com a centralização do poder.
Já o Estado liberal
está adstrito ao liberalismo político e econômico, a partir dos séculos XVIII e
XIX, notadamente no modelo estatal inglês, momento em que a ordem jurídica se
volta para a proteção dos referidos direitos naturais do indivíduo.
Assim, o
Estado apresenta-se como aparato fundamental que possibilita vida do homem
social e mecanismo de justificação e promoção dos direitos humanos. Portanto,
impensável o modelo de sociedade atual, sem a presença do Estado.
Dentro
desse contexto, a liberdade de expressão é um direito
contemporâneo ao surgimento do referido Estado Liberal, como parte de um
projeto político libertário que emerge da Independência Americana e da Revolução
Francesa, integrante do plexo dos direitos correspondentes aos direitos civis e
políticos, tem como objetivo a inserção do indivíduo perante o Estado, a partir
de sua afirmação, por meio de suas ideias.
O Estado deve garantir o exercício desse direito,
portanto[4].
O indivíduo, nessa concepção de mundo, da qual
pretendemos aderir, como demonstramos em nosso texto constitucional, é um
sujeito ativo. Ele participa. Ele delineia os caminhos políticos a serem
seguidos pelo Estado. O indivíduo apresenta, nessa perspectiva um status de participação.
A sujeição do indivíduo ao Estado ocorre,
excepcionalmente, em um outro contexto e momento. Talvez, por exemplo, a
sujeição do indivíduo às forças de segurança pública quando há crime de dano ao
patrimônio público e particular, porque há a delimitação constitucional (legal)
para tanto[5].
O compromisso com tal estado de coisas está
lastreado na busca de uma nação com mentalidade de vanguarda, em que há espaço
para todo o tipo de ideias. As ideias ruins e boas são criteriosamente
selecionadas a partir do debate público[6].
Somente as melhores ideias sobrevivem, após serem seguidamente testadas, por
meio de múltiplas visões de mundo, a partir de argumentações cada vez mais
refinadas.
Tal ambiente de discussão somente é possível na
ausência total de censura, sob a vigilância do Estado quanto à mínima violação
de tal direito; e se dá por meio de opiniões que possam soar rudes, de mau
gosto, idiotas ou ofender o senso comum[7].
Não há outra via possível, que não o debate livre de
ideias, e daí, também a salvaguarda ao acesso à ampla informação de qualidade[8].
Portanto, da importância da liberdade de expressão
depende a sobrevivência do Estado, porque gabarita o seu povo ao debate
mundial, a partir da excelência de sua argumentação, o que somente pode ocorrer
no livre câmbio de ideias.
REFERÊNCIAS.
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 36ª ed. Rio de Janeiro: Editora Globo,
2011.
BOBBIO,
Norberto. A Era dos Direitos. trad.
de Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BARROSO,
Luís Roberto. O Direito Constitucional e
a Efetividade de suas Normas. 8ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
DWORKIN, Ronald.
A Virtude Soberana. São Paulo:
Martins Fontes, 2005.
FERNANDES.
Bernardo Gonçalves. Curso de Direito
Constitucional. 4ª ed. Salvador: Juspodivm,
2012.
HOLANDA.
Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil.
Cia das Letras. 1995.
MENDES,
Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2008.
[1] Mestre em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro
Universitário Eurípedes de Marília (UNIVEM); Pós-graduado, com Especialização
em Gestão de Cidades (UNOPEC); Direito Constitucional (UNISUL); Direito
Constitucional (FAESO); Direito Civil e Processo Civil (FACULDADE MARECHAL
RONDON); Direito Tributário (UNAMA), Graduado em Direito (ITE-BAURU); Analista
Judiciário Federal – TRF3; Professor de graduação de Direito na Associação
Educacional do Vale do Jurumirim (EDUVALE AVARÉ). Membro do Conselho Editorial
da Revista de Direito do Instituto Palatino. Membro do Conselho Editorial da
Revista Acadêmica de Ciências Jurídicas da Faculdade Eduvale Avaré - Ethos Jus.
Co-autor da obra “Ativismo Judicial – Paradigmas Atuais” (2011) Letras
Jurídicas. Membro dos Grupos de Pesquisa: “A intervenção do Estado na vida do
indivíduo” e “GEP – Grupo de Estudos, Pesquisas, Integração e Práticas
interativas”. alexandregazetta@yahoo.com.br.
[2]
Art. 5º. [...] § 1º - As normas definidoras
dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata
[3] Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...] IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
[...] V - é livre a expressão da atividade intelectual, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença; X – são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
[...] XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e
liberdade fundamentais;
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a
expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão
qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa
constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer
veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII
e XIV.
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza
política, ideológica e artística.
§ 3º - Compete à lei federal:
I - regular as diversões e espetáculos públicos,
cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a
que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre
inadequada;
II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa
e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de
rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda
de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio
ambiente.
§ 4º - A propaganda comercial de tabaco, bebidas
alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições
legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que
necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.
§ 5º - Os meios de comunicação social não podem,
direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
§ 6º - A publicação de veículo impresso de comunicação
independe de licença de autoridade
[4] ADPF 130, Relator(a): Min. CARLOS
BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 30/04/2009, DJe-208 DIVULG 05-11-2009 PUBLIC
06-11-2009 EMENT VOL-02381-01 PP-00001 RTJ VOL-00213- PP-00020.
[5] Assim, tais
direitos visam à garantia de um espaço de liberdade por parte dos cidadãos a
partir de uma limitação do poder estatal. Tais direitos são, portanto, direitos subjetivos tanto para se evitar
a interferência indevida (função preventiva), quanto para eliminar agressões
que esteja sofrendo no plano da autonomia priva ( função corretiva). FERNANDES.
Bernardo Gonçalves. Curso de Direito
Constitucional. 4ª ed. Salvador: Juspodivm,
2012, p. 322.
[6] As condições como esse debate irá ocorrer e a
temática do auditório universal e da razão comunicativa não é esquecida, mas
pertence a outro contexto, onde nos preocupamos com a igualdade de condições.
Aliás essa discussão também é apresentada por Ronald Dworkin de forma enfática,
ao propugnar que: “Podemos dar as costas à igualdade? Nenhum governo é legítimo
a menos que demonstre igual consideração pelo destino de todos os cidadãos
sobre os quais afirme seu domínio e aos quais reivindique fidelidade. A consideração
igualitária é a virtude soberana da comunidade política – sem ela o governo não
passa de tirania – e, quanto as riquezas de nações muito prósperas, então sua
igual consideração é suspeita, pois a distribuição das riquezas é produto de
uma ordem jurídica: a riqueza do cidadão depende muito das leis promulgadas em
sua comunidade – não só as leis que governam a propriedade, o roubo, os
contratos e os delitos, mas suas leis de previdência social, fiscais, de
direitos políticos, de regulamentação ambiental e de praticamente tudo o mais”.
(DWORKIN, 2005, p. IX.).
[7] Liberdades fundamentais e “Marcha
da Maconha” - 1
Por entender que o exercício dos direitos fundamentais de reunião e de livre manifestação do pensamento devem ser garantidos a todas as pessoas, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação de descumprimento de preceito fundamental para dar, ao art. 287 do CP, com efeito vinculante, interpretação conforme a Constituição, de forma a excluir qualquer exegese que possa ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos. Preliminarmente, rejeitou-se pleito suscitado pela Presidência da República e pela Advocacia-Geral da União no sentido do não-conhecimento da ação, visto que, conforme sustentado, a via eleita não seria adequada para se deliberar sobre a interpretação conforme. Alegava-se, no ponto, que a linha tênue entre o tipo penal e a liberdade de expressão só seria verificável no caso concreto. Aduziu-se que se trataria de argüição autônoma, cujos pressupostos de admissibilidade estariam presentes. Salientou-se a observância, na espécie, do princípio da subsidiariedade. Ocorre que a regra penal em comento teria caráter pré-constitucional e, portanto, não poderia constituir objeto de controle abstrato mediante ações diretas, de acordo com a jurisprudência da Corte. Assim, não haveria outro modo eficaz de se sanar a lesividade argüida, senão pelo meio adotado. Enfatizou-se a multiplicidade de interpretações às quais a norma penal em questão estaria submetida, consubstanciadas em decisões a permitir e a não pemitir a denominada “Marcha da Maconha” por todo o país. Ressaltou-se existirem graves conseqüências resultantes da censura à liberdade de expressão e de reunião, realizada por agentes estatais em cumprimento de ordens emanadas do Judiciário. Frisou-se que, diante do quadro de incertezas hermenêuticas em torno da aludida norma, a revelar efetiva e relevante controvérsia constitucional, os cidadãos estariam preocupados em externar, de modo livre e responsável, as convicções que desejariam transmitir à coletividade por meio da pacífica utilização dos espaços públicos.
ADPF 187/DF, rel. Min. Celso de Mello, 15.6.2011. (ADPF-187)
Por entender que o exercício dos direitos fundamentais de reunião e de livre manifestação do pensamento devem ser garantidos a todas as pessoas, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação de descumprimento de preceito fundamental para dar, ao art. 287 do CP, com efeito vinculante, interpretação conforme a Constituição, de forma a excluir qualquer exegese que possa ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos. Preliminarmente, rejeitou-se pleito suscitado pela Presidência da República e pela Advocacia-Geral da União no sentido do não-conhecimento da ação, visto que, conforme sustentado, a via eleita não seria adequada para se deliberar sobre a interpretação conforme. Alegava-se, no ponto, que a linha tênue entre o tipo penal e a liberdade de expressão só seria verificável no caso concreto. Aduziu-se que se trataria de argüição autônoma, cujos pressupostos de admissibilidade estariam presentes. Salientou-se a observância, na espécie, do princípio da subsidiariedade. Ocorre que a regra penal em comento teria caráter pré-constitucional e, portanto, não poderia constituir objeto de controle abstrato mediante ações diretas, de acordo com a jurisprudência da Corte. Assim, não haveria outro modo eficaz de se sanar a lesividade argüida, senão pelo meio adotado. Enfatizou-se a multiplicidade de interpretações às quais a norma penal em questão estaria submetida, consubstanciadas em decisões a permitir e a não pemitir a denominada “Marcha da Maconha” por todo o país. Ressaltou-se existirem graves conseqüências resultantes da censura à liberdade de expressão e de reunião, realizada por agentes estatais em cumprimento de ordens emanadas do Judiciário. Frisou-se que, diante do quadro de incertezas hermenêuticas em torno da aludida norma, a revelar efetiva e relevante controvérsia constitucional, os cidadãos estariam preocupados em externar, de modo livre e responsável, as convicções que desejariam transmitir à coletividade por meio da pacífica utilização dos espaços públicos.
ADPF 187/DF, rel. Min. Celso de Mello, 15.6.2011. (ADPF-187)
[8] A plenitude de formação da
personalidade depende de que se disponha de meios para conhecer a realidade e
as suas interpretações, e isso como pressuposto mesmo para que se possa
participar de debates e para que se tomem decisões relevantes. O argumento
humanista, assim, acentua a liberdade de expressão como corolário da dignidade
da pessoa humana. (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO,
Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 360.
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