AS INCONSISTÊNCIAS DO DISCURSO JURÍDICO E O PROBLEMA DO SER E DO PARECER



Problema maior é compreender o Direito. Digo, no sentido de se alcançar a sua essência. A ontologia do que é realmente o Direito.
Um ponto inicial é que a matéria prima do Direito é a linguagem. Portanto, a leitura da lei se faz a partir da compreensão dessa significação (da linguagem) para si e para o mundo.
Ao revés, ficar na aparência é fácil. O superficial é preguiça!
Note! Considerar o Direito como conjunto de normas, sistematicamente organizadas, em que se busca uma solução, como quem vai a um supermercado e pinça um produto da prateleira, é uma boa imagem, mas carece de sentido no mundo das coisas.
Napoleão tentou, com seu Code, resumir o Direito à lei. Não deu certo, porque a lei não possui todas as soluções que se procura na vida. Naquela época, o Direito escrito na lei, já carecia de sentidos. Como pensar isso hoje, dentro de uma sociedade totalmente diversa, líquida em seus conceitos (à imagem de Bauman).
Notar que a essência e aparência das coisas são coisas diferentes é o primeiro passo, para sair do “matrix”. Agora, eu pergunto: como fazer isso, deixando de lado a filosofia? Como pensar o Direito sem a filosofia do Direito, se o pensar é a finalidade da filosofia, por si mesma?
Sem se perceber amigo da sabedoria, no sentido de se amar a verdade, a ponto de cultivá-la como sentido primeiro da sua vida não há saída. É preciso procurar e procurar a realidade, como se não houvesse amanhã! Quem se contenta com soluções fáceis se farta com a cobertura do bolo, sem nunca saber de que gosto é o seu recheio. Sócrates já dizia da importância da vida examinada. Qual é o seu compromisso com a verdade?
A complexidade do Direto só se mostra para quem busca enxergar além das sensações. A pretensão de sentidos para o Direito não é alcançada fora de uma perspectiva filosófica para o fenômeno jurídico, por absoluta impotência do saber conceitual que emana dos demais ramos do Direito, quando se abstém de dialogar com a filosofia.
Quero dizer, uma percepção que leve em conta a postura reflexiva sobre a lei, para que se possa “ver” além do texto escrito.
O ato de obedecer a lei deve ser justificado por uma causa fundada racionalmente. Caso contrário, que espécie de “bananas” somos nós, que obedecemos sem demandar um porquê?
O Direito lida com história de “legitimidade dos comandos normativos e com o ‘habito geral de obediência’, a propensão a uma relativa uniformidade da conduta intersubjetiva” (ADEODATO, 1996, p. 127) todo dia. Se nós não perguntarmos o porquê, como adivinhar o para onde?
Pensar os comandos jurídicos de forma superficial, sem ir às causas primeiras, é muito perigoso, e estúpido, porque dá meios muito convincentes, àqueles que se opõem a nós, de nos derrotar em litígio social, e justificar, com nossos próprios argumentos, uma injustiça, a nós praticada, com fundamentação legal por nós fornecida.
Se a dogmática é importante? Realmente é necessário conhecer a lei. Entender que a lei, principalmente por meio das normas-regras, limita a amplitude semântica de valores que a norma-princípio, principalmente, pretende proteger, valendo-se usualmente de uma tessitura linguística aberta, é fundamental.
Não é sem razão que estudos jurídicos, repetidamente, voltam-se a “desvendar os comandos e as permissões contidos nos mais diversas prescrições normativas” (NOJIRI, 2005, p. 15).
A centralidade da hermenêutica jurídica é justificada no caráter alográfico do Direito. A pretensão de sentidos do Direito se completa a partir da percepção do intérprete. Se esse intérprete não enxerga longe, Direito míope é o que terá à mão.
Note que nesse momento penso no advogado, no juiz, no promotor..., foco na aplicação do Direito, dogmaticamente pensado.
A ferramenta de trabalho que possuem à mão, esses que zombam do que não pretendem compreender, os chamados céticos em filosofia, tem a potência de um estilingue.
Como rivalizar com um jurista, que consegue entender o fenômeno jurídico por inteiro, e domina a linguagem conceitual e filosófica do Direito?
Se pensarmos que a dimensão que o Direito opera é por meio da intersubjetividade, “na qual se estabelece uma ligação entre o que se vivencia individualmente e a experiência compartilhada com os demais [...]” (GUERRA, 2002, p. 19), pense na potência do discurso desse cara, imerso, até o osso, no fenômeno jurídico.
Mas é preciso ter coragem. Leia Platão e descubra que aprender é doloroso.
No entanto, após todo o processo de descobrimento de si, para poder descobri o mundo, a crisálida emerge borboleta.
Comparar os iniciados com os inocentes, é como comparar um recitador monocórdio de textos bíblicos a um mestre em apologética.
Em síntese, somente conhecimento aprofundado do fenômeno jurídico e a humildade intelectual, como pressuposto, apontado para a necessidade de constante estudo, nos dá a exata medida de quando basta, para solucionar o problema jurídico, a leitura do texto da lei conhecida, ou, em um outro caso jurídico apresentado à nossa análise, um exercício hermenêutico que extraia um sentido possível, dentro das possibilidades semânticas daquele texto de lei, que tenha sua aplicação justificada racionalmente, a partir de um critério de equidade (razoabilidade).
Lembrando da diferença do teólogo e do declamador de textos bíblicos, ao justificar sua crença religiosa em contraponto à vagueza de sentidos do mundo pós-moderno, e cobrar coerência daqueles que a criticam, leia e reflita. Mutatis mutandis, pense no Direito e da defesa que faria, quando na presença de um incrédulo:

Ninguém é pós-moderno quando o assunto é ler a bula de um remédio em contraste com a bula de um veneno de rato. Se você está com dor de cabeça, é melhor acreditar que os textos tem significado objetivo! As pessoas não são relativistas quando se trata de questões de ciência, engenharia e tecnologia; mas são relativistas e pluralistas quando se trata de questões de religião e ética. (CRAIG, 2012, p. 18)

Esse é o busílis (Streck, passim).

Alexandre Gazetta Simões

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