A BATALHA SEMÂNTICA E OS CONTEÚDOS NORMATIVOS BEM INTENCIONADOS
O grande insight que passa despercebido pela grande maioria de nossos
colegas é a falta de percepção da existência de um fenômeno, chamado por alguns
outros, de batalha semântica.
Na verdade, essa clareza mental
abrupta, que nos referimos, é por assim dizer. Porque é mais como uma porta que
se consegue abrir, por ousadia e puro esforço, quando se está em um quarto
escuro, e por estar aberta essa porta, inunda de luz o quarto negro. Mas, não
se enxerga nada, do lado de lá da porta, e novamente é necessário ousadia
(coragem) e esforço para escolher e seguir pelos caminhos que se aponta, quando
se consegue enxergar, pela incidência da luz, os próprios pés.
Propriamente, a percepção da
existência do fenômeno da batalha semântica volta-se para a necessidade de se
entender os vários significados atribuídos aos processos sociais em choque.
Por isso a necessidade de se
entender, não se confunde com o entendimento em si. Olhar o caminho apontado,
não é o mesmo que percorrê-lo.
Note: querer percorrer o caminho
epistemológico/cognitivo necessário para elucidar esse dilema, é o outro
problema necessário para resolver aquele problema.
Portanto, o diletante intelectual
tendo sua visão/percepção inundada pela luz que entra pela porta aberta; pode,
se (não) quiser ou (não) (pu)der caminhar, deixar-se estar ou ir adiante, dos
limites do quarto meio claro.
Dizíamos mal da percepção dos
juristas, de um modo geral, por ter presente ainda, uma passagem do livro
seminal de Bruno Leoni, “Liberdade e a Lei”, quando explica que os juristas
“[...] são, por alguma forma, forçados a falar com base em seu conhecimento
profissional e, portanto, em termos de sistemas contemporâneos de lei” (LEONI,
2010, p. 17).
O problema de não ver através da
lei, é a falta de percepção, v. g., de que a interpretação jurídica (e aí
incluída a interpretação judicial da lei) se apresenta como um poder de
violência simbólica, que tem por objetivo uniformizar
(política/ideologicamente) o sentido da norma jurídica (ação em tudo
relacionada com batalha semântica).
Numa sociedade líquida, baumanianamente falando, é necessário
uniformizar as ideias, de modo se poder conceber uma interpretação unívoca, de
um texto expresso em uma norma jurídica.
Desse modo, a interpretação da
lei como poder de violência simbólica implica em um processo interpretativo,
que faz preponderar um significado (concebido), diante da possibilidade de
múltiplos significados possíveis, neutralizando outras possibilidades
interpretativas.
Metaforicamente: um mercado de
ideias, que por meio de um consenso político/social, irá pautar no interesse
pessoal de cada um dos agentes políticos responsáveis pela elaboração
legislativa, a concepção dos bens jurídicos dignos de proteção/promoção pelo Estado,
embalados semanticamente por uma tessitura normativa de conteúdo aberto.
A não compreensão desse processo,
que é explicado sociologicamente/economicamente pela praxeologia, teoria
filosófica, concebida por Ludwig Von Misses, a partir das categorias kantianas,
retira a dimensão trágica da frase de Otto Von Bismarck, em uma pequena
variação de sua versão mais conhecida: “Os cidadãos não poderiam dormir
tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis”.
Mais enfático: a falta de
percepção da realidade afasta a constatação de que: “O objetivo final da ação é
sempre a satisfação de algum desejo do agente homem” (MISSES, 2010, p. 43).
A ausência de bom senso, a
presença do ceticismo, e uma intuição rousseaniana da existência material da
vontade geral (soberana) do povo, a guiar a mão do legislador, torna possível
crer no postulado constitucional que prega ser objetivo fundamental da
República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceito de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Está aí, portanto, a
quintessência do que vem a ser batalha semântica, ao se ler esse postulado
constitucional, tem-se a real dimensão do direito que se tem e do direito que
se quer ter, como já mencionou Norberto Bobbio, em a Era dos Direitos (1992, passim).
REFERÊNCIAS
BOBBIO,
Norberto. A Era dos Direitos. Rio de
Janeiro: Campus, 1992.
LEONI,
Bruno. Liberdade e a Lei. São Paulo:
Instituto Ludwig von Misses Brasil, 2010.
MISSES,
Ludwig Von. Ação Humana. São Paulo:
Instituto Ludwig von Misses Brasil, 2010.
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