AS VITRINES PELADAS E A FUMAÇA DO BOM DIREITO
...aquilo
que é identificado como vontade da Constituição deve ser honestamente
preservado, mesmo que, para isso, tenhamos de renunciar a alguns benefícios, ou
até a algumas vantagens justas. Quem se mostra disposto a sacrificar um
interesse em favor da preservação de um princípio constitucional fortalece a
Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado,
mormente ao Estado democrático. Quem não se dispõe a esse sacrifício,
malbarata, pouco a pouco, um capital que significa muito mais do que todas as
vantagens angariadas, e que, desperdiçado, não mas será recuperado. (Konrad
Hesse (citando Walter Burckhardt). Die Normative Kraft Der Verfassung)
A partir da fundação de
paradigma da modernidade, com a laicização do pensamento científico, reinou
solitária a noção de que somente se alcançaria uma ordem social desejada, com a
ação do homem na própria sociedade, com a construção de um projeto de paz
social, visto que não existia uma ordem natural pressuposta à convivência
humana.
A partir da percepção de que a
sobrevivência do homem dependia da obediência não de outros homens, mas das
leis; a dominação do Estado somente passou a se justificar pressupondo o
consenso representado pelo processo democrático. Daí a expressão Estado
Democrático de Direito.
Assim, um dos princípios do
Estado Democrático Brasileiro, como quer a Constituição Federal, instrumento
primeiro desse difícil equilíbrio entre a dominação e solidariedade social.
Por tal razão, a Constituição
Federal preconiza a defesa do consumidor, no artigo 5º, XXII, estabelecendo-a
como garantia fundamental, bem como; prevendo a defesa do consumidor como
princípio da ordem econômica, lá no artigo 170, V, da Constituição Federal.
A meu ver, um assunto que
deveria ser mencionado mais vezes nessas paragens. Experiência própria de quem
já teve o desprazer de pagar por um serviço mal feito. De escutar desaforos por
exigir um orçamento descriminado. De perder seu horário de almoço em filas de
banco.
Além disso, parece que aqui
ainda impera a falsa suposição de que falar de direito do consumidor é execrar
os fornecedores, dedo em riste, exigindo-lhes todos os deveres e eximindo o
consumidor de qualquer obrigação. Ledo engano! Ao revés, trata-se do exercício
da política da verdade, lealdade e bom-senso.
O fato é que aqui, segundo o
que entendemos, ocorre o que por todo o tempo de minha pouca experiência
consumerista (de época de minha vida em que trabalhei no Procon Municipal de
Botucatu), sempre percebi um menosprezo às regras do Código de Defesa do
Consumidor, pelas mais variadas estirpes sociais, a partir da má-fé (poucos),
ignorância (muitos) ou pura má vontade (nós todos).
Era difícil, e confesso, até
mesmo para mim, compreender a fundamentalidade de uma vitrine apresentar preços
nos produtos postos à venda. Instigava-me perquirir a razão de fundo, a se
justificar a não cobrança de multa por perda da comanda, por exemplo.
Dessa forma, vamos caminhar
juntos.
Primeiro, para falar de Direito
do Consumidor, é preciso entender que estamos tratando de igualdade buscando
justiça. Tentando explicar: dentro dos critérios de igualdade do filósofo Chaïm
Perelman, a partir da justiça Aristotélica, trata-se de dar um tratamento
jurídico a cada um, de acordo com suas necessidades (considerando as suas
desigualdades). Ou seja, não se pode tratar os diferentes de forma igual.
Aliás, o imperativo da justiça social, está previsto no artigo 3º, I, da
Constituição Federal, a tão difundida e plurissignificativa “dignidade da
pessoa humana”.
Ocorre que vivemos em uma
chamada Sociedade de Massa, que respira através do consumo desenfreado, a
partir da “coisificação” do homem, por meio de demandas artificialmente criadas
e voluptuosamente impostas.
Portanto, por razões de ordem
social, econômica, antropológica; concluiu-se que o consumidor era a parte mais
fraca da relação de consumo. Assim, por exemplo, um contrato de compra e venda
de umas cuecas. Eu não entendo nada de cueca. Só sei usá-las. No entanto, um
cerolão de algodão é melhor, em termos de conforto, que uma cueca de um tecido
mesclado qualquer, e ainda cavada...
Acredito que quando vou até uma
loja, devo ser esclarecido sobre todos esses detalhes, absolutamente. Do preço
até se as costuras apertam as nádegas. E como eu não tenho apuro técnico
suficiente para saber a veracidade das informações, eu simplesmente acredito!
Por que haveria de duvidar? E mais, eu compro. Eu preciso de cuecas. Não sei
fazê-las! E mesmo que soubesse, não tenho as máquinas, o tecido..., para tanto.
Entendeu? Somos todos reféns do mercado. Todos somos, sob certo paradigma,
consumidores.
Portanto, o Princípio da
Vulnerabilidade do Consumidor é ponto fundamental da doutrina consumerista.
Aliás, tal imperativo também tem previsão constitucional, quando se estabelece
a proteção ao consumidor como direito fundamental, bem como, princípio da ordem
econômica, lá nos artigos 5º, XXXII e 170, V, da Constituição Federal, como já
mencionei, aliás.
De outra banda, e isso é tão
importante quanto o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, o artigo
170 da Constituição Federal, já que o referimos, determina que a atividade
econômica será exercida de forma livre; no entanto, calcada nos valores
sociais.
Assim, apesar de adotarmos o
modo de produção capitalista, baseado na economia de mercado, o Estado
intervém, através da implementação dos balizamentos constitucionais, ou seja, a
Intervenção por Direção, na classificação de Eros Roberto Grau (A Ordem
Econômica na Constituição Federal de 1988, p. 157, 1988).
Portanto, o Estado exerce
influência na economia por meio de mecanismos normativos de pressão; como por
exemplo, o Código de Defesa do Consumidor.
Tal forma de proceder deriva do
fato de adotarmos uma Constituição Econômica (CF de 1988), conceito originado a
partir da Constituição Mexicana de 1917, que aqui, foi inaugurado pela
Constituição de 1934.
As Constituições Econômicas, só
para aprofundarmos um pouco mais esse ponto, derivavam, inicialmente, dos
Estados Sociais; que hoje, a partir das vicissitudes das crises mundiais,
transmudaram-se nos Estados Desenvolvimentistas.
E nessa quadra ainda, tecendo
mais alguns pequenos apontamentos, só para pontuar os objetivos dessa Pessoa
Jurídica, André Ramos Tavares (Direito Constitucional Econômico, pp. 67/68)
sintetiza esses conceitos. Assim, temos:
O que
se pretende, no momento atual, é promover o desenvolvimento, não apenas
econômico-financeiro (que é imprescindível), mas também o desenvolvimento
humano e, para ele, concorre o desenvolvimento das liberdades fundamentais,
como sustenta Amartya Sen. (...) O desenvolvimento do Estado passa
prioritariamente pelo desenvolvimento do homem, de seu cidadão, de seus
direitos fundamentais. Sem ele, o mero avanço econômico pouco significará, ou
fará sentido para poucos.
Portanto, o que se quer, a partir dos princípios constitucionais e
dos parâmetros normativos expostos no Código de Proteção e Defesa do Consumidor
é alcançar um desenvolvimento econômico, sem abrir mão de um tratamento digno
ao consumidor, por meio, por exemplo, da transparência e boa-fé nas relações de
consumo.
Finalmente, só para não dizer que não falei das flores, com
relação aos preços nas vitrines (da multa por perda de comanda falo um outro
dia). A partir dessas rápidas pontuações, sabemos que o Direito do Consumidor
deriva da dignidade da Pessoa Humana. Conceito extremante amplo, que, no
presente enfoque, é constituído por uma dimensão relacionada à autodeterminação
(Pérez Luño), que pode ser explicada como a livre projeção da razão humana. Ou
seja, o exercício da liberdade caminha de braços dados com a dignidade, que se
expressa pelo meu direito à informação.
Simples
assim: Não colocar preço nas vitrines viola o meu direito à informação,
impingindo-me tratamento indigno, já que a transparência contratual,
objetivamente, não existe, impossibilitando, por consequência, a minha
autodeterminação (no exercício do ato de comprar), fundamental para a minha
sobrevivência, já que não sou detentor de nenhum meio de produção, portanto,
refém do mercado.
ALEXANDRE GAZETTA SIMÕES
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