SONHOS URBANOS PARA OS PRÓXIMOS 150 ANOS


“O domínio se concretiza por meio do discurso, mas o problema permanece, pois como adverte Marco Polo, “jamais se deve confundir uma cidade com o discurso que a descreve”. Adriano Schwarts, ao comentar o livro “As Cidades Invisíveis” de Italo Calvino”.

 

Que todas as manhãs se façam únicas em um sonho maior para todos aqueles que dormem, sob o manto negro das terras altas da cidade de Botucatu.

Que os pores de sol se façam cálidos, sob o prenúncio das horas mornas que precedem o jantar; mesmo para aqueles inertes botucatuenses descarnados, que não jantam, perdidos em suas casas revestidas de tábuas e papelão.

Que todos possam respirar aliviados, como funcionários públicos como operários, ou mesmo ventilados tenistas; quando o primeiro vento da noite entra sem avisar pela Cardoso de Almeida e arrepia nos transeuntes, suas penugens mais íntimas.

Que todos possam limpar a lágrima furtiva, que escapa às vezes; no silêncio doloroso, da capela interna da Catedral monástica, em suas horas de angústia, entre uma prece e um soluço.

Que todos possam sorrir de júbilo em seus agasalhos, ainda que meio acanhados, entre os outros; ao final de uma sinfonia, quando as luzes ainda estão baixas e o maestro sinaliza o acorde final, e voam os sons sobre as cadeiras do Teatro Municipal.

Que todos possam flanar a esmo, à pé ou de bicicleta, junto aos caminhos tortuosos das praças centrais do Pathernon. Principalmente quando o dia ainda reluta em se mostrar, e a inocência ainda caminha entre os citadinos.

Que todos possam, sob as árvores do Bosque, na madrugada baixa, iluminado por suas lâmpadas semi estroboscópicas; num dia de semana qualquer, sentir a rua Amando de Barros solitária resignar-se de seu passado; suspirando saudades das casas que já tombaram, e passo a passo, ir descendo ao âmago de um sentimento dolorido, que se afoga nas águas do rio Lavapés.

Que todos possam, Segunda após Segunda, por meses; e se corajosos, por anos, acompanhar as proposições, menos ou mais honrosas da Câmara Municipal, em defesas mais ou menos brilhantes, feitas por Vereadores, mais ou menos lembrados; observando o povo que passa e não olha, dentro dos ônibus que rareiam à medida que a Sessão alcança a Ordem do Dia.

Que todos possam, enfim, entre um projeto político e outro, ter esperança ao vislumbrar, de dentro de uma sala escura, das muitas janelas de vidro opaco da Prefeitura Municipal que dão para o mundo das Avenidas Santana e Dom Lúcio; as luzes acessas das salas de aula da Escola Normal, onde sombras dos que lá estudam trazem lembranças dos que lá estudaram, evocando sonhos urbanos para os próximos 150 anos.

 

ALEXANDRE GAZETTA SIMÕES

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