O REDUCIONISMO PRAGMÁTICO DA FUNDAMENTAÇÃO ABSOLUTA DOS DIREITOS HUMANOS
A fundamentação absoluta que se valem todos os que têm seus direitos
violados, notadamente os de caráter prestacional, por sua urgência,
(in)felizmente, carece de significação aprofundada, pois trata-se de um engodo
terminológico.
Porque o caráter heterogêneo dos direitos humanos é incompatível com uma
abordagem simplista e peremptória, como se quer ter sempre à mão, numa
definição de algibeira, assim: “[...] os direitos são bens e vantagens previstos
na norma constitucional” (LENZA, 2010, p. 741).
Apesar de ser necessário um ponto de partida, notadamente em uma
abordagem dita concursal, como se usa
alcunhar, os fins não podem justificar os meios sempre.
Não se nega a importância devida, ao se apontar à finalidade prescrita a
tal abordagem.
Entranto, recusar-se a debater o problema da fundamentação e conceituação
dos direitos humanos, a partir de uma base dogmática crível é criar outro
problema. Note: “Las cosas son, pero em la medida em que no-son pueden ser de outra
manera o dejar de ser de aquella manera como son. [...] el problema de buscar
dialécticamente la estrutura intena del ser y del no-ser tomado em y por sí
mismos” (ZUBIRI, 1995, pp. 11/12)
Assim, ao se valer de um
aprofundamento epistêmico, afigura-se claro que a plêiade de direitos humanos
(inflacionados, irresponsavelmente) leva à inelutável conclusão da existência
de não um só fundamento, mas sim, de vários fundamentos para esses direitos.
Desse modo, irrefutável concluir que alguns direitos (quase abordados
isoladamente) podem ser concebidos como absolutos, considerando a justificativa
moral/axiológica em que se lastreiam, de modo a justificar o sacrifício
daqueles que se empenham em obstar a execução desses direitos ditos absolutos,
para poderem exercer, por si próprios, direitos contrapostos a eles.
Ou seja, tem-se claro que há alguns direitos que tem uma justificativa
tão plausível, que avaliza absolutamente a ação de afastar qualquer prerrogativa
legal (ou pretensamente legal) que se oponham a esses direitos absolutos. Exemplificativamente,
como é o direito de abster-se de ser escravizado ou torturado por outrem.
Em tal paradigma, como fundamentar racionalmente o direito de torturar, ou
de escravizar outrem, em contraposição ao direito de resistir à condição de
torturado ou de escravizado? A pretensa argumentação no sentido da viabilidade
jurídica da tortura ou de escravidão desfalece diante de tão pujante força
moral/jurídica de tais direitos.
Inobstante, se o absoluto fundamento de salvaguarda dos direitos de não
ser torturado ou escravizado resplandece qualquer objeção em contraponto, não é
menos verdade que, ao revés, outros direitos (em sua maioria) mostram- se com
uma fundamentação moral/jurídica mais dúbia.
E, nessa seara, como se pode depreender da experiência cotidiana de seres
integradas em sociedades altamente complexas e seccionadas em múltiplos prismas
axiológicos, evidencia-se a noção de que a grande maioria dos direitos ditos
humanos mostram-se enquadrados nessa zona gris.
A liberdade, como poderia de pronto se avocar, está inserida nessa
categoria, ou seja, é situada na referida zona gris. Note, assim, que dentro das
múltiplas espécies de liberdade, a fundamentação absoluta desse direito encontra
barreiras em pontos de vista mais inusitados.
Desse modo, evoca-se quanto à liberdade, a chamada liberdade científica.
Exemplo claro que a referida liberdade apresenta restrições consideráveis ao
seu exercício irrestrito, visto que não se está livre para se buscar qualquer
verdade científica, mas sim, o exercício livre da pesquisa científica, ou seja,
a liberdade de exercer a ciência nos moldes cientificamente pressupostos. Fora
disso, há a vedação de se fazer ciência fora do método científico.
Nesse mesmo passo, de modo mais próprio, a liberdade de contratar que
também tem limitações consideráveis ao seu exercício, ao ponto de se ponderar
se a função social do contrato não entraria em choque com a patrimonialidade
ínsita à obrigação contratual, esvaziando-se, portanto, a própria ontologia
desse instituto jurídico.
Assim, vige, em sua maioria absoluta, a fundamentação relativa dos
direitos humanos, os quais se fundamentam tão somente na racionalidade de seu
discurso fundamentador.
Portanto, a justificação da existência de tais direitos baliza-se pela
motivação racional da possibilidade legal (moral) de exercício desse direito,
justificando “[...] tanto o direito que se afirma quanto o direito que é negado
[...] (BOBBIO, 1992, p. 19)”.
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro:
Campus, 1992.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São
Paulo: Saraiva, 2010.
ZUBIRI, Xavier. Estructura Dinámica De La Realidad. Madrid:
Alianza Editorial, 1995.
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