INTIMATE DISTANCE
No percurso entre a
vila mais próxima e a próxima vila dava-se a travessia que teria de fazer, ao
longo desses novos tempos de sua vida.
Claro era o destino que
se firmava entre os trilhos. Um comboio era a expressão maior desse momento.
Estrondoso e íntimo ia por entre montes e vales, o trem da noite. Ligava os
dois pontos fundamentais de sua existência.
Ao longo desse percurso,
desnudava a madrugada. Seus devaneios acompanhavam as nuances da paisagem
escura, que se definia além das janelas desse trem. Muito havia ficado para trás.
Não haveria como poder voltar. Somente lhe restava seguir em frente. Como o
próprio trem, preso ao seu destino.
A lua era a testemunha
silenciosa de suas agonias interiores. Sozinho em sua cabine, prosseguia em
suas reflexões, sem escolha. Além da cadência ritmada do trem em seu percurso,
somente um rangido, um estalo, nesse ou em outro vagão, dava-lhe consciência da
concretude desse momento. Ao revés, tudo estava suspenso. Preso entre o ontem e
o amanhã, fazia a travessia, resignado, entre esses dois mundos.
Ao largo de seu passado
recente, havia mordido a maçã do encantamento. Algumas mordidas. Suficientes
para lhe fazer sentir o gosto próprio do inusitado. Um filme noir se desvelava a seus olhos. Alguns
suspiros e uma lágrima. Nada mais. Sozinho em seu mundo, seguia rumo a outro
momento. Imperiosa necessidade do passageiro dessa viagem.
Um copo de whisky. Old fashioned. Sem trilha sonora, Em pé,
no escuro da sua cabine. Sem ninguém além de si. Pensava, ainda, em tudo. Roubaram-lhe,
inusitadamente, a maçã que pensava ter para si. Não lhe foi concedido mais
nada. Todo brilho da existência apagou. Como agora, ficou sozinho no escuro.
Nesse passado que
lembrava, assim como agora, houve momentos de muita escuridão em sua alma. Mas,
o tom negro, como agora, muitas vezes se via traído. Havia sempre algumas luzes
na madrugada. A lua quase sempre estava lá. Iluminada, condescendente. Como
agora. Sua luz mortiça muitas vezes iluminou seu caminho.
Alguma penumbra sempre
remanesce, no entanto. Nada é para sempre e sempre algo muda.
Deitou em sua cama
pequena. As sombras povoavam as paredes de sua cabine. Pousou o copo na cômoda
adaptada. A noite era quente nessa época do ano e nesse ponto do planeta. Algum
torpor fez com que seus olhos se apagassem.
O trem solitário atravessava
a madrugada rumo a manhã. Logo chegará a seu destino.
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