COMO EM MANON LESCAUT
Diria o
Cavalheiro Des Grieux....
Eu prefiro
os infelizes, como eu era representado em minha existência. Amaldiçoados os
deslumbrados que se posicionam como cabras em paisagens resfolegantes. Os que
se mostram felizes pelo benfazejo ar cotidiano. Os que sorriem da própria
(má)sorte. Sobretudo os que se dizem abençoados com as horas vazias de quem não
teve a coragem de olhar para o abismo existencial, que se tornou sua vida
(alhures).
No princípio
tudo era silêncio. O verbo se fez carne e habitou em mim.
Antes, em
meu silêncio, a confortável ausência do eu emocional, inundava-me do encanto da
ilusão de paz.
Não tinha
consciência do mundo e não sentia nada (plenamente), visto que não me
apresentava para a realidade emancipatória do universo de sentimentos que
circundava minha existência solitária.
Depois, na
consubstanciação do silêncio em verbo, ela veio até mim. Foi quando meu coração
gritou, ante a ausência de palavras, para expressar o que transbordava em meu
peito.
Nada mais
seria como antes (já pressentia em meu íntimo, ao ser transpassado em minha
espinha, por um ínfimo e lancinante raio de lucidez).
Esse alguém,
na sua ausência presente e na sua presença ausente, transformou (-se) (n)aquilo
que eu pensava ser eu.
A surpresa
do inusitado transcendeu o lógico e exato parâmetro delimitador da minha
existência física e psíquica.
Certo dia eu
me encontrei nela. E não tinha certo – dor maior -, se ela havia se encontrado
em mim.
Lembro que
estava caído. Que, em certo momento, com muita dificuldade, voltei a me
levantar, porque ela me deu sua mão. E, só comecei a andar a partir do rastro
de seus passos.
A
reminiscência de seu sorriso! Espinho que penetrou mais profundamente em minha
carne. A mais profunda impressão de meu pesar. Recordação de um paraíso perdido
(para sempre).
Foi com ela
que aprendi a chorar. Lágrima por lágrima! Soluço por soluço! A vã crença na
definitividade do amor sonhado. Desvanecida a ilusão. Despertei do sonho. A realidade
se encarregou de dar cabo a toda a minha (pretensa) esperança.
O sentimento
amoroso que ainda residia em mim, foi definhando, gradativa e seguramente, até
a morte definitiva de qualquer sensação.
E tudo
acabou! Primeiro nela, depois em mim. Eu não sofri mais do que ela, e ela não
sofreu mais do que eu (acreditava...).
Depois, o
lago de mágoa que inundou minha alma secou por completo. Eu cria que a
consciência definitiva do fim do amor, dava-me a pretensa certeza de que já
havia passado pelo pior. Que tudo se resumia a uma questão de tempo, até que as
feridas se curassem e a alma ferida ressuscita-se para o bem de meu mundo.
Mas, eu não
havia conhecido o inferno ainda! Depois que toda a mágoa drenou meu coração,
nada mais restou que um deserto infindável, onde uma secura e vastidão sem fim
era varrida por ventos de desolação.
Nada mais brotaria nessa terra desolada!
Tão brutal
foi essa condição, que somente senti minha vida fazer sentido quando cheguei
perto da morte. Mas a intermitência da vontade cambiante, entre a preservação
da angústia em vivo sentir e a consumação de um alívio incerto, num peito sem
vida, remanesceu em mim, a vontade de continuar sentindo (vivo).
Assim,
restou-me prosseguir, para que pudesse saber até onde eu suportaria o continuar
(vivendo).
Perseverei!
Foi um talho
profundo! Sangrei até onde a dor podia ferir, sob as navalhas afiadas das
promessas não cumpridas e o amargor da desilusão amorosa.
Depois de
tudo, o punhal preciso e afiado do orgulho ferido entrou fundo em minha carne.
Somente
depois disso tudo, dei por mim!
Certo dia de
um morno estio, lembrei, pela última e derradeira vez, daqueles dias de verão,
seguidos pela tormenta gélida do inverno de minha alma. Foi quando recordei um
trecho de um livro de Caio Fernando de Abreu: “Cada vez mais frias, e os dias
estão cada vez mais duros, e eu tento, tento tanto disfarçar essa dor no meu
peito e esse nó na garganta, mais chegou o ponto em que eu já não sou mais
forte o suficiente, já estou consumida pelo desejo quase incontrolável de
desaparecer, pra sempre”.
Com algum
traço de amargura impregnado em meu espírito, valendo-se da inusitada
consciência pragmática de quem faceou os limites de seus medos, percebi, em
certo momento, a ausência de sentimentos amorosos em meu peito.
Quando a
última lágrima finalmente secou, dei pela falta de meu coração. Só o que me
restou foi um bloco de gelo maciço.
Na vida cada
um oferece o que tem! Eu hoje sou o resultado humano e factível de minhas
decepções. O que remanesce, de forma indelével, é a percepção delineada em minha alma pelas minhas vivências mais dolorosas. A dor como contra face das maiores
alegrias que povoaram meu espírito. Sabe-se aqui que não se está a falar de
falta de sentimentos, mas de excesso de provações.
Comentários
Postar um comentário