Segundo o STF, a CF não proíbe a suspensão da prescrição, por prazo indeterminado, na hipótese do art. 366 do CPP (réu citado por edital que não comparece para se defender). A indeterminação do prazo da suspensão não constitui, a rigor, hipótese de imprescritibilidade: não impede a retomada do curso da prescrição, apenas a condiciona a um evento futuro e incerto, situação substancialmente diversa da imprescritibilidade
Contagem da prescrição durante a suspensão do processo: súmula 415 do
STJ
20/01/2010-09:30 | Autores: Luiz Flávio
Gomes; Silvio Maciel;
LUIZ
FLÁVIO GOMES (www.blogdolfg.com.br)
Doutor em
Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal
pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça
(1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).
SILVIO
MACIEL
Mestre
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ex-Delegado de
Polícia no Estado de São Paulo, professor universitário de Direito Penal,
Direito Processual Penal e Direito Constitucional e professor de Direito Penal
e Direito Processual Penal da Rede LFG – Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes.
O art.
366 do CPP, com redação dada pela Lei 9.271/96, dispõe que se o acusado for
citado por edital, não comparecer e não constituir advogado ficarão suspensos o
processo e o curso do prazo prescricional. Essa alteração do art. 366, ocorrida
em 1996, visou a evitar a tramitação de processos sem o efetivo conhecimento do
acusado, pois como se sabe, pelo cotidiano forense, se o acusado foi citado por
edital, não contratou um defensor e não atendeu à citação ficta, certamente não
tomou conhecimento do processo. A alteração ajustou-se, assim, ao princípio da ampla defesa, que só é
exercitado em sua plenitude por meio de defesa técnica e de autodefesa (pelo
próprio acusado).
Conforme
Capez[1]
"o fundamento de tal
inovação reside no direito à informação. Derivado dos princípios
constitucionais da ampla defesa e do contraditório, tal direito encontra-se
previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), conhecida como
Pacto de San José da Costa Rica (...), que em seu art. 8º, 2, b, assegura a
todo acusado o direito à comunicação prévia e pormenorizada da acusação
formulada. Assim, não mais se admite o prosseguimento do feito sem que o réu
seja informado efetivamente, sem sombra de dúvida, da sua existência".
A referida alteração, apesar de salutar, ensejou
uma discussão sobre o tempo de suspensão do prazo prescricional. Como o art. 366 apenas dispõe
que a prescrição deve ficar suspensa durante a suspensão do processo, sem
indicar por quanto tempo, doutrina e jurisprudência debruçaram-se sobre a
questão, na busca de uma solução hermenêutica para a omissão legislativa.
O entendimento adotado quase de forma unânime por
doutrina e jurisprudência foi o de que o prazo prescricional deve ficar
suspenso pelo prazo da prescrição da pretensão punitiva (prescrição em
abstrato), levando em conta o máximo da pena e considerando-se as balizas do
art. 109 do CP. Assim,
se o delito prescreve, abstratamente, em 8 anos, é por esse tempo que a
contagem da prescrição deve ficar suspensa, após o que volta a correr pelo
saldo restante. Esse
entendimento, além de evitar, na prática, a imprescritibilidade dos delitos,
afigura-se proporcional, na medida em que o prazo de prescrição ficará suspenso
por mais ou menos tempo, de acordo com a maior ou menor gravidade do delito.
Um mesmo prazo de suspensão da prescrição para todos os delitos violaria,
flagrantemente, o princípio da proporcionalidade.
O
Superior Tribunal de Justiça, adotando o entendimento da maioria, editou na
sessão do dia 16.12.09 a Súmula
415, com o seguinte enunciado: "O período de suspensão do prazo prescricional é
regulado pelo máximo da pena cominada".
É preciso ressaltar que a Súmula 415 está a dizer
que a contagem da prescrição fica suspensa pelo prazo da prescrição em abstrato
– consideradas as balizas do art. 109 do CP – e não pelo prazo da pena máxima
cominada ao delito, conforme pode sugerir uma leitura desavisada do enunciado.
Assim, se
o delito tem pena máxima cominada de 4 anos, a prescrição em abstrato se dá em
8 anos (art. 109, IV do CP) e a contagem da prescrição, portanto, ficará
suspensa por esses 8 anos e não por 4 anos, que é o prazo da pena máxima
cominada ao crime. Essa é a correta interpretação da Súmula 415, conforme se
verifica pelos precedentes que a originaram. A propósito:
"Consoante
orientação pacificada nesta Corte, o prazo máximo de suspensão do prazo
prescricional, na hipótese do art. 366 do CPP, não pode ultrapassar aquele
previsto no art. 109 do Código Penal, considerada a pena máxima cominada ao
delito denunciado, sob pena de ter-se como permanente o sobrestamento, tornando
imprescritível a infração penal apurada". (STJ, HC 84.982/SP, rel. Min.
Jorge Mussi, j. 21.02.2008)
Apesar
desse entendimento quase unânime da doutrina e da jurisprudência sobre o
período de suspensão da contagem prescricional, o Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Extradição n. 1042 (Pleno, j. 19.12.06), adotou entendimento
diverso, no sentido de que a contagem da prescrição pode ficar suspensa por
tempo indeterminado, é dizer, fica suspensa enquanto o processo também ficar. E
no julgamento do RE 460.971/RS, a 1ª Turma da Suprema Corte, reiterando o
entendimento do Plenário, assentou que:
"Citação
por edital e revelia: suspensão do processo e do curso do prazo prescricional,
por tempo indeterminado - C.Pr.Penal, art. 366, com a redação da L. 9.271/96.
1. Conforme assentou o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ext. 1042,
19.12.06, Pertence, a
Constituição Federal não proíbe a suspensão da prescrição, por prazo
indeterminado, na hipótese do art. 366 do C.Pr.Penal. 2. A indeterminação do
prazo da suspensão não constitui, a rigor, hipótese de imprescritibilidade: não
impede a retomada do curso da prescrição, apenas a condiciona a um evento
futuro e incerto, situação substancialmente diversa da imprescritibilidade. 3.
Ademais, a Constituição Federal se limita, no art. 5º, XLII e XLIV, a excluir
os crimes que enumera da incidência material das regras da prescrição, sem
proibir, em tese, que a legislação ordinária criasse outras hipóteses. 4. Não
cabe, nem mesmo sujeitar o período de suspensão de que trata o art. 366 do
C.Pr.Penal ao tempo da prescrição em abstrato, pois, "do contrário, o que
se teria, nessa hipótese, seria uma causa de interrupção, e não de suspensão."
5. RE provido, para excluir o limite temporal imposto à suspensão do curso da
prescrição". (RE 460.971/RS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, j.
13.02.2007, v.u.)
Acertado
nos parece o entendimento cristalizado agora na Súmula 415 do Superior Tribunal
de Justiça. Equivocado, por conseqüência, o pensamento do Supremo (s.m.j.). Não
se sustentam, com a devida vênia, os argumentos lançados no acórdão acima[2],
de que a "Constituição Federal não proíbe a suspensão da prescrição por
prazo indeterminado" e de que a Constituição não proíbe o legislador
ordinário de estabelecer outras hipóteses de crimes imprescritíveis além dos já
previstos em seu Texto (art. 5º, XLII e XLIV).
A
suspensão da prescrição (ou qualquer espécie de suspensão no Direito, v.g., a
suspensão política de direitos) é sempre condicionada a evento futuro e certo,
portanto, sempre se dá dentro de prazo limitado no tempo. A suspensão da
prescrição no CP, por exemplo, só subsiste enquanto não é resolvida questão
prejudicial em outro processo, ou enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro,
ou ainda enquanto o condenado está preso por outro motivo (art. 116, I e II e
parágrafo único do CP). Da mesma forma, a suspensão de direitos políticos por
condenação transitada em julgado só subsiste "enquanto durarem seus
efeitos" (art. 15, III, da CF).
Como se
vê, a suspensão tem sempre termo final definido (ainda que não exato),
condicionado ao implemento de uma condição certa. E foi exatamente o que fez a
Súmula 415 do STJ. Como o art. 366 do CPP dispõe sobre a "suspensão"
da contagem do prazo prescricional, mas não prevê seu termo ad quem, o Superior
Tribunal de Justiça, com apoio no entendimento doutrinário majoritário,
estabeleceu esse termo final, que se dará com o advento dos prazos estabelecidos
no art. 109 do CP.
Condicionar
a suspensão da contagem prescricional a um evento incerto – o comparecimento do
acusado ao processo – é, por óbvio, tornar indefinido o final do prazo de
suspensão da prescrição, tornando o delito, ao menos em tese, imprescritível.
Por outro
lado, é certo que a Constituição estabeleceu, taxativamente, as hipóteses de
imprescritibilidade - nos crimes de racismo e na ação de grupos armados, civis
ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático – exatamente
para proibir a imprescritibilidade em qualquer outro delito, ressalvada a dos
delitos contra a humanidade, nos termos do direito universal emanado da ONU.
Trata-se de "silêncio eloqüente" da Constituição brasileira. Não tem
sentido afirmar que o legislador ordinário pode tornar imprescritível um delito
de desacato ou de furto.
Na
clássica lição de Carlos Maximiliano, normas restritivas de direitos
fundamentais devem ser interpretadas restritivamente, para restringir ao mínimo
o direito posto. É assim que deve ser interpretado o nuclear artigo 5º da
Constituição. Se o dispositivo permitiu a imprescritibilidade apenas em duas
hipóteses é porque a proibiu em qualquer outra.
Esperemos,
pois, que o Supremo
Tribunal Federal se curve ao entendimento da sua maioria e imponha um prazo
final para o período de suspensão da contagem da prescrição estabelecida no
art. 366 do CPP. Não só porque a suspensão pressupõe prazo final, mas porque
essa exegese se coaduna melhor com o instituto da prescrição, que visa a
impedir processos e execuções penais depois de anos ou décadas, quando já tenha
desaparecido (completamente) o interesse social de punição do infrator.
GOMES, Luiz Flávio. MACIEL,
Silvio.Contagem da prescrição durante a suspensão do processo: súmula 415 do
STJ . Disponível em http://www.lfg.com.br
- 20 janeiro. 2010.
(GRIFOS NOSSOS)
E.t. - A partir do questionamento:.
Segundo o STF, a CF não proíbe a suspensão da prescrição, por prazo indeterminado, na hipótese do art. 366 do CPP (réu citado por edital que não comparece para se defender). A indeterminação do prazo da suspensão não constitui, a rigor, hipótese de imprescritibilidade: não impede a retomada do curso da prescrição, apenas a condiciona a um evento futuro e incerto, situação substancialmente diversa da imprescritibilidade
[1] CAPEZ, Fernando. Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, p.
551. [2] E tais argumentos são exatamente os mesmos argumentos que constam no
voto do então Ministro Sepúlveda Pertence, proferido no julgamento do processo
de Extradição n. 1042, acatado pela unanimidade dos demais nove Ministros que
participaram do julgamento.
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