STJ restabelece indenização por dano moral a criança de três anos
DECISÃO (Fonte: www.stf.jus.br)
STJ
restabelece indenização por dano moral a criança de três anos
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) decidiu, por unanimidade, restabelecer a condenação de uma fundação de
seguridade social e uma clínica conveniada ao pagamento de indenização por
danos morais a uma criança de três anos de idade, por deficiência na prestação
do serviço de assistência e recusa na realização de exame radiológico. A Turma
entendeu que o fato da ofendida ser menor de idade não faria diferença na
concessão do benefício, seguindo o entendimento da ministra relatora Nancy Andrighi.
A GEAP Fundação de Seguridade Social e a sua
conveniada Clínica Radiológica Dr. Lauro Coutinho Ltda. se recusaram a realizar
exame radiológico para a menor L.C. A família entrou na justiça e, em primeira
instância as entidades foram condenadas ao pagamento de R$ 4 mil a título de
danos morais. Entendeu-se ainda que não houve comprovação de danos materiais.
Houve recurso de ambas as partes e o Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) entendeu que não houve dano moral. Para o
tribunal, “criança de três
anos de idade não é capaz de sofrer dano moral, não se podendo imaginar abalo
psicológico à mesma, pela falta de realização de um exame radiológico”.
No recurso ao STJ, a defesa da menor alegou ofensa ao artigo 14 do Código de
Defesa do Consumidor (CDC), que determina que os fornecedores de serviços devem
responder, mesmo sem culpa, pela reparação de danos aos consumidores por falhas
ou defeitos na prestação destes. A defesa apontou ainda a existência de
dissídio jurisprudencial (julgados com diferentes conclusões sobre o mesmo
tema).
Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi reconheceu a
existência do dissídio jurisprudencial. Apontou que a decisão do TJRJ não foi
unânime e que a recusa de se fazer o exame teria superado, sem justificativa, o
limite de um simples aborrecimento. A ministra considerou que o artigo 3 º da Lei 8.069 de 1990 garante às
crianças e adolescentes todos os direitos fundamentais da pessoa humana.
Portanto, crianças teriam plena capacidade jurídica, tendo os mesmo direitos
fundamentais, inclusive direitos à proteção de imagem estabelecidos na
Constituição de 1988. “Induvidoso, pois, que crianças, mesmo da mais tenra
idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade”,
observou.
A ministra
Andrighi também destacou que houve ofensa ao inciso VI do artigo 6º do CDC que
garante aos consumidores reparação por erro ou falha na prestação de serviços
pelos seus fornecedores. A
magistrada apontou não haver distinção na lei da qualificação dos autores,
incluindo a idade. Para a ministra, mesmo a criança não tendo uma percepção
completa da realidade, é sujeita a sentimentos como medo e angústia, sendo
sensível a eles. Por fim, destacou que a GEAP seria responsável pela escolha de
seus credenciados e, portanto, pelo pagamento dos danos causados, conforme se determina nos
artigos 7º e 25 do CDC. Com essa fundamentação a ministra Andrighi
restabeleceu o pagamento da indenização por dano moral.
NOTAS DA REDAÇÃO
A
Responsabilidade Civil deriva da transgressão de uma norma jurídica pré-existente
com a conseqüente imposição ao causador do dano ou de alguém que dele dependa,
o dever de indenizar a vítima. No caso em tela, trata-se de indenização por
danos materiais e morais em razão da deficiência na prestação do serviço de
assistência à saúde e da recusa injustificada em realizar exames radiológicos.
Apesar da
relação acima exposta num primeiro momento demonstrar-se consumerista, com
conseqüente indenização baseada no CDC, tendo em vista que a vítima do dano é
uma criança de três anos, a decisão em comento valeu-se do chamado diálogo de
fontes disposto no art. 7º da Lei nº. 8.078/90, segundo o qual sempre que uma
lei garantir algum direito para o consumidor, ela poderá se somar ao
microssistema do CDC, incorporando-se na tutela especial e tendo a mesma
preferência no trato da relação de consumo.
A Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e Adolescente)
dispõe na primeira parte do seu art. 3º, que “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana”. Ou seja, em relação aos direitos fundamentais, a
capacidade jurídica do cidadão menor de idade é plena, portanto, o fato de uma
criança não ter alcançado maturidade física e psicológica não lhe coloca em
situação jurídica diferente daquela conferida ao adulto, no que tange aos
direitos fundamentais.
Na palavras da Ministra Relatora Nancy Andrighi “entre os direitos fundamentais
consagrados pela CF/88 está a dignidade da pessoa humana, que compreende a
garantia dos direitos da personalidade, isto é, o direito da pessoa de defender
o que lhe é próprio. Ocorre que os direitos da personalidade manifestam-se
desde o nascimento, nos termos do art. 2º do CC/02. Induvidoso, pois, que
crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos
direitos da personalidade, entre os quais se inclui o direito à integridade
mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação,
nos termos dos arts. 5º, X, in fine, da CF e 12, caput, do
CC/02”.
No caso em comento, para o juízo de 1º grau, o voto
vencido do Desembargador do TJ/RJ e o parecer do ilustre procurador de Justiça,
a atitude da Ré realmente foi muito além de meros aborrecimentos, configurando
portanto o dano moral.
Neste sentido se alinha à jurisprudência do STJ
conforme expôs a Ministra Relatora Nancy Andrighi “a recusa à cobertura médica pode ensejar reparação
a título de dano moral, por revelar comportamento abusivo por parte da
operadora do plano de saúde que extrapola o simples descumprimento de cláusula
contratual ou a esfera do mero aborrecimento, agravando a situação de aflição
psicológica e de angústia no espírito dosegurado, já combalido pela própria
doença” (AgRg nos EDcl no REsp 1.096.560/SC, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti,
DJe de 23.10.2009. No mesmo sentido: Resp 907.718/ES, 3ª Turma, minha
relatoria, DJe de 20.10.2008; REsp 714.947/RS, 4ª Turma, Rel. Min. César Asfor
Rocha, DJ de 29.05.2006; e REsp 657.717/RJ, 3ª Turma, minha relatoria, DJ de
12.12.2005, este último alçado a paradigma pela própria recorrente).
Apesar do
TJ/RJ reconhecer a existência de situação ensejadora do abalo moral sob o
argumento de que uma “criança de três anos de idade não é capaz de sofrer dano
moral, não se podendo imaginar abalo psicológico à mesma, pela falta de
realização de um exame radiológico”, não foi esta a conclusão.
Mais uma vez nas brilhantes palavras da Ministra
Relatora, “Na hipótese
específica dos autos, não cabe dúvida de que a recorrente, então com apenas
três anos, foi submetida a elevada carga emocional. Nessa idade, a criança tem
nos pais – em especial na mãe, dada a relação umbilical que os une – seu porto
seguro. É do estado emocional de seus pais que a criança retira, em grande
parte, sua sensação de segurança e conforto. Assim, mesmo que não tenha tido
noção exata do que se passava, é certo que percebeu e compartilhou da agonia de
sua mãe tentando, por diversas vezes, sem êxito, conseguir que sua filha fosse
atendida pela clínica”.
Tendo em vista que uma criança três anos é suscetível de abalo moral, e
diante do nexo causal entre a deficiência na prestação do serviço e a recusa
injustificada da clínica realizar o exame e o conseqüente dano causado, restou
configurada a responsabilidade civil com o devido dever de indenizar.
(grifos nossos)
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